O que posso dizer de uma pessoa como essa? Nada mais do que surpreendente…
Nicolas era um cara que estava sempre numa boa. Pelo menos é o que me passava, pois quando nos encontrávamos estava sempre sorrindo, sempre de bom humor, de alto astral. Era o primeiro a chegar e o último a sair. Adorava tocar! Aliás, tocar era sua vida. Estava sempre com um pandeiro, um djembê, um tamborim… qualquer coisa. Se não tivesse nada, poderia ser o que estivesse à mão (um prato, uma colher, copos…) Além disso, o que mais poderia dizer sobre ele, senão aquilo que me vem à memória, que emerge das camadas da experiência…
Sei que ele era francês. E que já tinha vivido altas histórias: foi paraquedista do exército que já levou a fama de ser o maior e melhor do mundo. Naquela época, ganhava seis vezes mais do que um soldado, por isso, apesar dos riscos, optou pelo paraquedismo. Tava no sangue, pois disse que seu pai também era paraquedista. Largou a vida militar para ser baterista de jazz… viu o Art Blakey tocando numa birosca em Paris, teve uma banda muito louca em Marselha, da qual um dos integrantes ia para as gigs com um carro caindo aos pedaços… E essa vida louca, pensava que ia pregar-lhe uma peça, só porque ele lidava com ela sem medo… com sexo, drogas e sonzera… e aconteceu com ele o que aconteceria com muita gente, naqueles tempos… muitos morreram precocemente, mas ele não! Allons-y, foi ao continente africano, fez um baita estágio com os mestres das raízes (ouvi dizer) e veio pro Brasil no final dos anos 1980. Primeiro no Rio de Janeiro. Ou em Pernambuco? Sei lá. Sei que aportou pela Ilha lá pelos 1990, e ficou famoso por ser o introdutor do djembê nos sets de percussão da raça por aqui. De discípulo passou a mestre. Ensinou música intensamente, deu aula pra grandes e pequenos, profissionais e amadores, jovens e adultos, sem distinção. Não tinha nada, a não ser seus instrumentos de percussão e seu fusca azul, todo arrombado, coitado, mas era o seu xodó: “je t’embrace, mon amour”… Bens materiais, pra quê? Teve o amor de muitas e de muitos; de uma, em especial, que ele venerava, sempre se referindo a ela, Lui, como seu grande amor, sua grande parceira na vida…Tocava em duzentas bandas ao mesmo tempo… tinha tudo, na real.
Quem ficou sem, foi a gente. Sem aquele parceiro fiel na hora das gigs. Sem aquele conhecimento musical quase infinito, que ia do jazz ao funk, do soul ao afro, do samba ao reggae. E tem mais: só quem toca pra saber como funciona essa relação entre músicos durante a performance, em tempo real: é não verbal, é corporal, é super veloz, é único. É espiritual. A dor da perda é grande: de um amigo, de um ser super humano, de um músico supérr… Chega, já sofri demais com essa perda, vamos curtir, vamos tocar, vamos batucar, vamos ensinar música! É o que ele ia desejar que fizéssemos. E, antes de sair, só uma coisinha mais: o samba não é de ninguém. O samba é de todos nós.
Luciano Py de Oliveira